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TRF cancela investigação de diretor por não haver indício de crime fiscal

Ministério Público encaminhou inquérito com base apenas em informações da Receita
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, determinou o trancamento de um inquérito policial instaurado contra o diretor de uma empresa com base na chamada representação fiscal para fins penais. Segundo os desembargadores, o documento enviado pela Receita Federal ao Ministério Público – comunicando uma dívida tributária da companhia – não apresentava “indícios mínimos” de crime.
Decisões nesse sentido não são comuns na segunda instância. Os desembargadores, em geral, consideram trancamento de inquérito como medida excepcionalíssima. Entendem que esse procedimento serve para apurar os fatos e, por esse motivo, não faz sentido proibir.
Sócios e dirigentes podem ser responsabilizados quando se constata que a companhia que administram cometeu crime contra a ordem tributária – ou seja, deixou de pagar imposto de forma intencional. O inquérito é a primeira etapa. Quando instaurado, eles correm o risco de ser denunciados e ter que responder como réu em uma ação penal.
É um tema que preocupa o empresariado. Pode gerar efeitos na reputação da empresa e dificultar, inclusive, contratos de financiamento. Havendo a ação penal, em caso de condenação, o dirigente fica sujeito à pena de dois a cinco anos de prisão (esse prazo pode aumentar a depender dos valores envolvidos).
A decisão do TRF, que favorece o empresário, foi proferida pela 1ª Turma Especializada por um placar de dois a um. O relator, desembargador Paulo Espírito Santo, votou pelo prosseguimento do inquérito – como geralmente ocorre no tribunal -, só que ficou vencido.
Prevaleceu o entendimento do desembargador Antonio Ivan Athie. O voto dele tem chamado bastante atenção no meio jurídico. A abertura do inquérito, na sua visão, tem mais relação com o medo que os agentes dos órgãos de controle têm de eventuais questionamentos futuros do que com a dívida tributária em si.
Athie considerou o inquérito que estava sob análise como uma “tremenda perda de tempo”. Ele destacou que a decisão do Carf não impôs à empresa a multa qualificada, de 150% – quando entende-se por fraude ou sonegação – e que houve empate em relação ao débito. Dos quatro julgadores, dois entenderam que os valores cobrados pela Receita Federal não eram devidos.
Na época desse julgamento, ainda estava em vigor a regra do voto de qualidade no Carf – última instância administrativa para discutir cobranças de tributos federais. No caso de empate, prevalecia o voto do presidente da turma – sempre um representante da Fazenda.
Essa regra caiu em abril de 2020. Houve mudança na legislação e, desde lá, o contribuinte passou a ser beneficiado quando há empate. Se o caso em análise tivesse sido julgado no Carf depois dessa data, portanto, nem existiria débito.
“Inexistindo indícios mínimos da intenção de fraudar ou suprimir tributos, é ilegal a abertura de inquérito policial para apurar a prática de crimes tributários”, conclui o desembargador Athie. O entendimento foi acompanhado pelo desembargador substituto Rogério Tobias.
Essa decisão se deu no habeas corpus impetrado pelo diretor da empresa que sofreu a cobrança fiscal e estava sendo investigado no inquérito policial (processo nº 5015192-55.2021.4.02.0000).
A companhia, que atua no setor de construção, havia sido autuada pela Receita Federal por ter deixado de recolher contribuições previdenciárias sobre valores pagos a título de participação nos lucros e resultados (PLR) e sobre benefícios concedidos aos empregados.
As advogadas Priscila Faricelli e Fabyola En Rodrigues, do escritório Demarest, dizem que quando o Carf mantém a multa qualificada as representações fiscais para fins penais são, necessariamente, são encaminhadas ao Ministério Público. Já em relação aos casos sem multa, não há obrigatoridade. Mas, quando existe dúvida, também podem ser comunicados – e, segundo elas, essa situação é vista com bastante frequência
Se chegar no Ministério Público, afirmam as advogadas, é praticamente certo que haverá pedido de instauração do inquérito policial. “É meio que automático. Os procuradores verificam questões de competência e fazem o encaminhamento para instauração para as devidas apurações”, diz Fabyola.
Para a advogada Débora Poeta, sócia do escritório Feldens Advogados, que atuou no caso julgado pelo TRF, o principal dessa decisão é quebrar essa automaticidade. “Exigir do Ministério Público uma análise mínima de materialidade antes do encaminhamento”, diz.
Desta forma, acrescenta, evita-se o constrangimento e também dispêndio de dinheiro público. “Quanto custa um inquérito policial? Ou uma ação penal inteira para chegar lá no fim e dizer que isso poderia ter sido resolvido no começo?”
A advogada chama a atenção ainda que a abertura de inquérito contra dirigentes da empresa acaba servindo como instrumento de coação. É que, nos casos de crime contra a ordem tributária, o pagamento dos valores extingue a punibilidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, recentemente, um tema correlato. Os ministros proibiram a abertura de inquérito antes que se tenha decisão definitiva do Carf confirmando a existência da dívida (ADI 4980). E, naquela ocasião, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, também tocou nessa questão.
“É evidente que uma pessoa de bem, diante da iminência de ser processada criminalmente, corre, paga e vai discutir depois a repetição do indébito para receber, não se sabe quando, através de precatório”, disse Fux
Segundo advogados, essa situação se repete mesmo depois da decisão do Carf. Quando perde, o contribuinte ainda tem a chance de discutir a cobrança na Justiça. “O mero inadimplemento não se confunde com a prática de condutas fraudulentas. Crimes de natureza fiscal são dolosos. É imprescindível a demonstração da intenção de sonegar tributo para a sua configuração”, afirma o advogado Sérgio Rosenthal.
O MPF foi procurado pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.

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